A culpa é sua, mulher As musas que justificam nossas punhetas quase sempre valem o quanto pesam: têm coxas, peitos, bunda... gplus
 
 
 

A culpa é sua, mulher

As musas que justificam nossas punhetas quase sempre valem o quanto pesam: têm coxas, peitos, bunda...

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Julia Roberts cai de boca. Dá gosto ver o filete branco e viscoso escorrendo dos seus lábios recheados. Sua amiga, receosa, prefere fechar a boca diante da pizza napolitana.Tem medo de expandir seus pneuzinhos além da conta, explica. Com a sabedoria de um Yoda de pizzaria, Julia pergunta à amiga se algum homem alguma vez virou as costas e foi embora depois que ela tirou a roupa, com ou sem pneuzinhos. “Não! É porque ele não se importa!”, exclama Julia, aconselhando a amiga a esquecer a síndrome de pânico da balança e aproveitar os prazeres da vida sem culpa.

O diálogo traz uma mensagem tão bem sacada, tão esperta e tão edificante... quanto falsa. Duvido que alguma vítima da balança tenha se convencido a comprar um jeans maior em vez de contar calorias, como recomenda a personagem de Julia, com base no argumento de que os homens não diferenciam estria de celulite.

Não, não é por causa de nós que as mulheres se martirizam em busca de padrões inalcançáveis de beleza, que são um convite com RSVP à bulimia e à anorexia. Somos coadjuvantes nessa história, mano. É assunto de meninas.

É claro que o feminismo mais ortodoxo discordaria. Afinal, para elas tudo é culpa dos homens. E são os homens que controlam a Mídia, essa entidade sexista que busca moldar o corpo de todas as mulheres impondo a elas, desde a infância, por meio de filmes, novelas, revistas e anúncios, o sonho obrigatório de um corpo perfeito — perfeito segundo os padrões sexistas dos homens, diga-se.

Alto lá, companheira!As garotas bulímicas não estão abraçando privadas e enfiando o dedo na garganta para ficar com o corpo de uma coelhinha da Playboy. Vá numa banca de revistas e repare nas capas das revistas masculinas ou dos filmes pornôs. CONTINUA--->

As musas que justificam nossas punhetas quase sempre valem o quanto pesam: têm coxas, peitos, bundas, enfim, o pacote completo de redundâncias que sequestram nosso olhar. É isso que nós, seres simplórios providos de pênis, queremos. Homem é um bicho tosco e pouco exigente, que praticamente não evoluiu desse a Pré-História: nosso padrão de beleza mudou muito pouco desde que o primeiro punheteiro das cavernas moldou a Vênus de Willendorf, cheia de carne para todos os lados.

Agora, dê alguns passos para o lado na mesma banca e repare nas publicações femininas, principalmente nas revistas de moda. É como sair de um quadro de Renoir para uma foto de Auschwitz. É a mídia femininaque retrata adolescentes com IMC abaixo do saudável como símbolos da beleza. Pobres meninas magrelas, que deveriam ser enviadas para um nutricionista que curasse seu problema de subnutrição, mas que em vez disso são atiradas nas passarelas e acabam inspirando outras garotas a seguirem o caminho de transformar fome numa categoria pós-moderna de arte.

E estamos falando de uma mídia feita quase sempre de mulheres para mulheres. Mulheres tentando agradar a outras mulheres. Mulheres para quem o elogio sincero de uma amiga (ou de uma rival, o que muitas vezes é o mesmo no universo dos seres que menstruam) vale mais do que o xaveco de um cara bacana. E, principalmente, mulheres que se dedicam a policiar umas às outras e a si mesmas, montando um ambiente de paranoia e perseguição de deixar Mussolini com inveja.

Exagero? Nada. É só ver a reação da mulherada diante de qualquer musa masculina mais arredondada. Uma Mulher Melancia ou uma Geisy Arruda, por exemplo — duas que eu pessoalmente comeria com muchogusto, diga-se. A quantidade de esperma que essas duas fizeram jorrar nos banheiros de repúblicas masculinas é diretamente proporcional aos gritos de ódio que despertaram nas mulheres. Ódio, mesmo. Vejo muitas mulheres que não se limitam a apontar defeitos das musas rechonchudas, dizer que Andressa Soares não é tão bonita de rosto, por exemplo: elas cerram os dentes e ficam vermelhas de indignação, saem por aí berrando que Geyse e Melancia são horrorosas, Quasímodos com sobrepeso que deveriam ficar escondidas em casa em vez de estampar a capa da Sexy. CONTINUA--->

 

Agora livres do jugo masculino, as mulheres resolveram criar uma ditadura para si próprias, baseada em padrões que exigem fome e sofrimento e reprimem tudo o que lembre prazer e chocolate. Mas nisso homens e mulheres são bem parecidos. Desde sempre, o esporte favorito da humanidade é caçar obsessivamente a própria infelicidade.

*Fausto Salvadori Filho, jornalista, 32 anos, é autor do blog Boteco Sujo. Já escreveu sobre sexo, cultura, crime e outras sacanagens em sites, jornais e revistas como Trip, Galileu, Vice, Alfa, Folha.com, Agora SP, Jornal da Tarde e Metro. Trabalha (com Gio Mendes) num livro sobre a gênese da pornografia brasileira, a partir de um de seus personagens mais extremos. Gosta de mulher, cinema e literatura, mas não entende direito nenhum destes assuntos.