Eu tenho medo de crianças E essa geração excessivamente mimada que nunca comeu gemada devido à salmonela e não apanhou de cinta porque psicólogos proibem? gplus
   

Eu tenho medo de crianças

E essa geração excessivamente mimada que nunca comeu gemada devido à salmonela e não apanhou de cinta porque psicólogos proibem?

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Se não fosse a brutal e inesperada intervenção de um filhotinho de Capiroto indomável, aquele certamente teria sido um grande texto. Mas, graças aos acontecimentos assustadores que eu logo lhe contarei, não consegui passar do primeiro parágrafo.

Encontrava-me no Sushi Oceano, um lugar tipicamente silencioso e sem baderna, perfeito para escrever, devorar peixe fresco e encher a cara em copos quadrados. Sobre a mesa havia uma garrafa de saquê, alguns sashimis de atum e o meu notebook, só. Tudo me levava a crer que aquela seria uma noite promissora, daquelas que terminam com visão dupla, pança cheia e um texto do tipo que me faz acreditar que eu realmente possuo capacidade para conquistar um Jabuti. Ou um prêmio literário de bairro, o que já seria uma enorme vitória para alguém como eu, que nunca ganhou nada, nem concurso cultural promovido por rádio de interior. 

Estava pensando em um sinônimo para “seios”, em busca de um termo que não fosse tão chulo quando “teta” e nem tão comum nos fuxicos de tias-avós quanto “busto”.Porém, antes mesmo de chegar a “mamas” ou “peitos”, senti um objeto pontiagudo sendo cravado em minhas costas. “Que porra é essa?”, berrei, ainda sem saber o que estava acontecendo e quem estava me agredindo gratuitamente. Então olhei para trás e me deparei com uma verdade que me fez repensar na redução da maioridade penal: eu tinha acabado de ser perfurado por uma criança. Um moleque que tinha, no máximo, doze anos. Um garoto com o cabelo à la Mike Jagger,dentro do uniforme engomado de uma daquelas escolas que, graças à utilização de dinâmicas de grupo desde o maternal, conseguem transformar cotocos catarrentos em CEOs poliglotas e arrogantes que costumam usar camisas com gola de cor diferente do restante da peça, mocassins marrons de camurça e mullet, claro. 

Um daqueles garotos que costumam pedir iPhone6 para o Papai Noel e MacBook Air à Fada do Dente. Mais um fruto dessa geração excessivamente mimada. Gente que nunca comeu gemada por causa da salmonela, que nunca apanhou de cinta devido a conclusões feitas por psicólogos que comparam crianças a camundongos e que nunca viu a Xuxa com cabelo comprido e apresentando programas infantis usando fantasias eróticas. Meninos que passam dias comendo nuggets em frente a desenhos politicamente corretos e que, quando são chamados de “Narigão”, em vez de saírem na mão, como eu fazia, imediatamente correm para o colinho da mamãe, afirmam que está sofrendo bullying e aproveitam para forjar um trauma profundo ou qualquer desculpa para não terminarem o dever de casa e para ganharem um PlayStation4 de Dia do Índio.

“O que deu em você, sua putinha?”, gritei com os olhos fixos nos olhos verdes daquela peste branca, já de pé e tentando remover o hashi que ainda estava cravado em minha lombar. “Cadê os responsáveis por esse filho da puta?”, pensei, segundos antes de receber uma paulistinha caprichada e de começar a ouvir a insuportável e maquiavélica gargalhada daquele feto remelento. Perdi a cabeça. Apertei forte a nuca daquele demônio e, no instante em que ele gritou, meti uma bolota de raiz forte na boca dele. Ele até ameaçou cuspir, mas fui ligeiro: logo tapei a boca dele com a palma de mão - como faço quando preciso dar comprimidos a meus gatos - e o obriguei a engolir aquela kryptonita nipônica. Ele esperneava, mais do que deve fazer em dia de vacina ou quando o pai não quer comprar Kinder Ovo na padaria. Mas eu, possuído pela raiva de um recém-perfurado, não liguei para as lágrimas ou para cara de “Vou vomitar!”, só soltei quando um líquido esverdeado (provavelmente wasabi misturado a muco) começou a escorrer sobre o verso da minha mão. 

Ele abriu o berreiro, ato que bastou para chamar a atenção da mãe, que mesmo sobre um salto quinze e dentro de uma calça extremamente justa, conseguiu chegar rápido à área do restaurante em que estávamos. 

“O que está acontecendo aqui, Enzo?”, ela perguntou com voz mole, típica de quem mistura Lexotan com Stella Artois.

“Ele me bateu!”, o menino resmungou com o indicador apontado para mim.

“Corre, vai chamar o papai!”, a mãe ordenou. 

“Moça, eu estava aqui, quieto, na minha, comendo e tentando exercer uma profissão digna, quando, sem qualquer motivo, o seu filho enfiou um hashi em minh...”

“Foi esse gordinho de merda, filhão?”, uma voz rouca interrompeu a minha explicação. E, para o meu desespero, saía da garganta de um careca com orelha de couve-flor, um cara que poderia, facilmente, reforçar o elenco do próximo Os Mercenários. Ou estar no card principal de qualquer edição do UFC. 

“Foi”, afirmou a criatura.

Corri em direção à saída, mas, antes de chegar à rua, fui capturado, levado de volta à minha mesa e imobilizado de um jeito bem mais doloroso do que yoga praticado em dia frio. Bem mais, aliás.

“Filho, o que faremos com ele, hein?”, perguntou o moço que me retorcia todo.

Torci para que o moleque tivesse algum senso de humor e dissesse algo como: “Estávamos apenas brincando, papai. Um pouco de cócegas já está bom”. 

Mas, para a minha tristeza, o pequeno Lúcifer– assim como a maioria dos monstros dessa safra humana estragada - tinha acesso fácil aos conteúdos mais escabrosos produzidos pela humanidade, conclusão que cheguei depois de ouvi-lo afirmar: “Papai, vamos obrigá-lo ele cheirar raiz forte, como no Jackass!”. 

“Gente, vocês acham mesm...”, tentei argumentar, em vão, porque fui interrompido por um empolgado: “Genial, filhão. Mas precisamos pedir mais wasabi ao garçom. O que acha?”.

O moleque riu, correu em direção ao sushiman e, para o meu desespero, voltou com uma bolota verde do tamanho de uma de sinuca. 

“Enfia no nariz dele, filho!”, o pai ordenou. 

A princípio, eu ficava mexendo a cabeça de um lado para o outro, para que o capeta não conseguisse acertar as minhas narinas. Mas o carecão acabou com os meus dribles nasais dizendo:

“Ou você o deixa enfiar essa merda em sua napa ou eu enfiarei um pote de shoyo em seu rabo, o que você prefere?”.

Então, imediatamente, eu parei de resistir, e diante do olhar chocado desferido por um casal de velhinhos, senti meu nariz sendo preenchido por toletes de sofrimento.

“Enfia mais!”, o careca ordenava com extrema empolgação – como fazem as moças na hora do coito! -, mesmo depois de o moleque ter afirmado, repetidas vezes, que não cabia mais nada dentro de mim. E não cabia mesmo, juro.

E quando eu achei que a tortura já estava no fim, o careca psicopata me deu mais uma ordem:

“Agora você fará uma selfie para mostrar ao mundo essa sua cara de chorão. E quero um close nas narinas e a seguinte descrição: ‘Mexi com o filho do cara errado!’”.

Contudo, segundos antes de eu divulgar a minha humilhação ao mundo, fui salvo pelo gongo, ou melhor, pelo meu despertador.

Então, ainda de coração acelerado e sentindo o ardor daquele pesadelo, liguei para a minha esposa e falei:

“Amor, acho que eu não estou preparado para ser pai. Se importa se trocarmos o bebê por um Pit Bull ou por outro animal que ofereça pouco risco à humanidade?”.


Ricardo Coiro