Eu não nasci para ser vida louca O gosto das coisas simples e fáceis de controlar pode é muito mais prazeroso que a vida ostentada por playboys surubentos gplus
   

Eu não nasci para ser vida louca

O gosto das coisas simples e fáceis de controlar pode é muito mais prazeroso que a vida ostentada por playboys surubentos

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Há cerca de dois anos, em uma mesa de bar, perguntarem-me se eu gostaria de ter uma vida como a do Dan Bilzerian, aquele playboy que, no Instagram e em outras redes sociais, ostenta uma existência cheia de gostosas de biquíni, carrões turbinados e luxos dos mais diversos tipos. Na hora, sem muito pensar, aos meus amigos de boteco eu disse “Sim!”. Porém, depois de matutar a respeito,eu sinto que preciso dar uma nova resposta. Ainda dá tempo? Claro que dá, o texto é meu:

Por uns três meses, sim, eu gostaria de viver uma vida como a do Dan Bilzerian ou como a vida louca, festiva e intensa² vivida por muitas das estrelas do rock que eu admiro (Keith Richards, Lemmy Kilmister, Tommy Lee, Iggy Pop,Slash e cia); mas não mais do que isso, pois me conheço bem e sei que não nasci para ser vida louca por longos períodos, como muitos foram, são ou matariam para ser. Por que eu penso assim? Porque tenho certeza de que eu, depois de alguns meses na pele de algum rock star doidão ou protagonizando a vida de algum playboy ‘surubento’, sentiria um vazio imenso, dez vezes maior do que aquele que sinto quando acaba o Fantástico, no último e depressivo domingo das férias. Vou além: sei que sentiria uma puta saudade de passar finais de semana inteiros sob o edredom, apenas à base de pipoca, nuggets e Coca-Cola, e acompanhado apenas pela minha namorada dorminhoca e pelo Don Draper.

Não estou aqui pagando de santo ou afirmando que eu não gosto de bagunças regadas a sexo, drogas (álcool pode ser considerado uma droga, certo?) e rock and roll no talo. Pois eu gosto, não vou mentir. Mas eu gosto, apenas, vez ou outra, bem esporadicamente mesmo,nos raros dias em que bate aquela necessidade impostergável de desopilar o fígado e de dar vazão aos instintos mais primitivos, saca? 

Podem me chamar de vovô ou coisa do tipo, mas a dose de Campari recém-tomada me deixou com vontade de fazer uma confissão: na maioria do tempo (340 dias por ano, em média), eu gosto mesmo é da segurança e simplicidade da minha rotina e de me manter rodeado apenas por pessoas que conheço de outros Carnavais, certamente interessadas em meu papo, coração, potencial como atacante de várzea, capacidade de devorar temakis a qualquer hora do dia e em coisas que, obviamente, nada têm a ver com fama, dinheiro e exposição.

Não estou escrevendo para motivar uma passeata na Paulista contra o Dan Bilzerian e outros playboys que gastam rios de dinheiro para encher mansões com novinhas endiabradas, uísques que nasceram na época em que a sua mãe tinha sonhos eróticos com o Ronnie Von e luxos futuristas que para a esmagadora maioria da humanidade só existem em filmes do 007. A vida é deles e não interfere na minha, ou seja, não tenho qualquer direito de dizer como devem vivê-la. Certo? Mas, honestamente, eu gosto mesmo é das coisas simples, fáceis de controlar, que não exigem investimentos monetários brutais e que oferecem pouquíssimo risco de prisão, overdose ou depressão pós-vivência, como os gordurosos churrascos da minha família mineira; as múltiplas saideiras que costumo tomar com amigos do peito que fiz na infância; os infinitos baldes de pipoca que devoro aos domingos, acompanhado pela minha namorada; os cafés solitários e contemplativos que desfruto, gole a gole, nas esquinas de Sampa; os livros que leio antes do sono e as viagens que faço para tragar um pouco de outras culturas e, principalmente, com o intuito de não cair na besteira de achar que todas as pessoas pensam, alimentam-se e vivem da mesma maneira que eu.

Prefiro a vida louca e cheia de exageros em biografias e documentários. E, diferente de muitos amigos, não me sinto nem um pouco infeliz ou frustrado quando vejo o Instagram de caras como o Dan Bilzerian. Pelo contrário: sorrio por perceber que a companhia de uma namorada parceira – ou de um amigo por quem eu ocultaria um cadáver -, um temaki feito com carinho e um café bem forte já são mais do que suficientes para me fazer achar a vida do caralho, fascinante!


Ricardo Coiro